sexta-feira, 12 de março de 2010

"Ainda que dentro de mim as águas apodreçam e se encham de lama e ventos ocasionais depositem peixes mortos pelas margens e todos os avisos se façam presentes nas asas das borboletas
e nas folhas dos plátanos que devem estar perdendo folhas lá bem ao sul
e ainda que você me sacuda e diga que me ama e que precisa de mim:
ainda assim não sentirei o cheiro podre das águas e meus pés não se sujarão na lama e meus olhos não verão as carcaças entreabertas em vermes nas margens,
ainda assim eu matarei as borboletas e cuspirei nas folhas amareladas dos plátanos e afastarei você com o gesto mais duro que conseguir
e direi duramente que seu amor não me toca nem me comove e que sua precisão de mim não passa de fome
e que você me devoraria como eu devoraria você ...

ah se ousássemos."
Caio Fernando Abreu.


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